Direito de visita e os direitos dos visitantes

Sobre a ilicitude da prova obtida por meio de revista vexatória.

Fabio Bottrel

9/23/20259 min read

O direito de visita tem por modalidades a visita social, conjugal (ou íntima) e virtual.

A visita social coaduna em encontro familiar, de pai, mãe, criança ou amigo. Pode se dar de duas formas: a forma tradicional - quando a pessoa presa fica no pátio conversando por um determinado tempo sem vigilância, também chamada de visita com contato; ou pode se dar no parlatório, ambiente com um vidro separando o visitante do preso, e o contato se dá por telefone - restrição estabelecida para o RDD e para o Sistema Penitenciário Federal trazido pela lei anticrime – portanto, a restrição de visita social é uma novidade, por mais que já exista portaria desde 2017 restringindo no Sistema Penitenciário Federal.

A segunda modalidade, conjugal ou íntima, restrita a uma companheira ou companheiro, envolve um ambiente íntimo e privado, sem nenhum tipo de monitoramento, nela é possível desenvolver a sexualidade. É também bastante polêmica, foi restringida no Sistema Penitenciário Federal no final de 2017 e a lei anticrime também a vedou tanto para o RDD quanto para o Sistema Federal, conforme explicação se verá ao longo deste texto.

A terceira modalidade, visita virtual, chamada de web-visita, pode se dar também por ligação telefônica.

A base legal para os direitos de visita aqui esboçados pode ser encontrada nos seguintes dispositivos:

Art. 41, inciso X, da LEP: “visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados”. Pode ser suspenso (41, p. ún) – para entender mais a polêmica e as consequências da suspensão do direito de visita vale a leitura de outro artigo meu, também aqui no Jusbrasil, onde exponho o panorama geral das normas e tratados internacionais sobre o tema.

A visita da criança ao pai ou mãe privada de liberdade é garantida pelo ECA, que interpreta o princípio do melhor interesse da criança, a partir do seguinte dispositivo:

Art. 19, § 4º do ECA: “será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial.”

O STJ vem relativizando o dispositivo e cassando autorizações de visita, ex.: Resp nº 1744.758/RS, 2018), invocando o art. 227, CF.

Essas relativizações do dispositivo do ECA são bastante criticáveis, já que a interpretação através dos vieses dos princípios do ECA é da importância da manutenção dos laços familiares, de suma relevância para o desenvolvimento da criança, cuja pena dos pais não poderia transcender para ela.

Dessa forma, de acordo com a jurisprudência internacional e segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o direito de visita é requisito fundamental para assegurar o respeito à integridade (Informe de fondo 38/96, Caso 10.506). A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na mesma linha, afirma que restrições indevidas ao direito de visitas tornam a pena incompatível com a exigência de tratamento digno (por exemplo: Caso López y otros vs. Argentina, Sentença de 25.11.2019; Caso García Asto y Ramírez Rojas vs. Peru, Sentença de 25.11.2005; Caso Lori Berenson Mejía vs. Peru, Sentença de 25.11.2004; Caso Tibi vs. Equador, Sentença de 7.11.2004). A Corte Interamericana já havia afirmado, no Caso Norín Catrimán y otros vs Chile, com Sentença em 29.05.2014, que a separação injustificada de pessoas privadas de liberdade e suas famílias viola o art. 17.1 da Convenção. A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos vai no mesmo sentido: no Caso Laduna vs. Eslovaquia, Sentença de 13.12.2011, restrições ao direito de visita na prisão foram consideradas violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar e à proibição de discriminação (art. 8º e 14º da Convenção Europeia de Direitos Humanos).

A relativização e a vedação das visitas podem chegar ao STF com base na vedação das penas cruéis ou com base na dignidade humana, por mais que seja uma fundamentação bastante genérica. O direito a convivência, ao encontro, ao abraço com seus entes queridos é direito ínsito à humanidade e não parece razoável o disposto na Resolução 23/2021 – CNPCP, que revogou a Res. 4/2011 – CNPCP, classificando a visita conjugal como “recompensa/regalia”, na forma da LEP. Exige comprovação documental de casamento ou união estável (pode ser suprida por declaração) e veda pluralidade de cadastros de visitantes para visita conjugal. Prevê intervalo mínimo de 12 meses quando houver substituição. Veda que o/a visitante seja também privado de liberdade. A nova resolução silencia sobre a garantia da visita íntima homoafetiva, que era tratada na Res. 4/11. Vale aplicar aqui a Res. 348/2020, do CNJ (art. 11, V)

Conforme analisado no artigo anterior, sobre os tratados internacionais do direito do preso, a restrição no Sistema Federal, em análise pelo STF ( ADPF 518/DF), inserida pela Lei Anticrime para o SPF e para o RDD (e reproduzida pela nova Resolução do CNPCP)é polêmica. Sobre o tema, v. Informe 122/18 da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o Caso Marta Lucía Álvarez Giraldo vs Colômbia. A Corte entendeu, de modo mais amplo, que o direito à visita íntima de pessoas presas é uma maneira de garantia do direito ao exercício da sexualidade e pela impossibilidade de ser suprimido de forma absoluta.

A visita íntima no Sistema Federal passou a ser proibida em 2017 após a morte de um agente do DEPEN, cujas investigações descobriram que a ordem para o seu assassinato emergiu de uma visita conjugal. Foi a partir daí, inclusive por portaria, que o Ministério da Justiça, em 2017, proibiu a visita íntima no Sistema Penitenciário Federal, o pacote anticrime veio regulamentando tal disposição em lei.

Segundo a Regra 58.2, das Regras de Mandela: “Onde forem permitidas as visitais conjugais, este direito deve ser garantido sem discriminação, e as mulheres presas exercerão este direito nas mesmas bases que os homens. Devem ser instaurados procedimentos, e locais devem ser disponibilizados, de forma a garantir o justo e igualitário acesso, respeitando-se a segurança e a dignidade”. Percebe-se que as Regras de Mandela não garantem a visita conjugal taxativamente e apesar de não terem força de lei, são diretrizes internacionais das mais respeitadas.

Quanto às visitas virtuais ou ligações telefônicas, foi amplamente implementada em época de pandemia, por evidência prática, são mais utilizadas pelas mulheres, por questões circunstanciais quanto ao menor número de unidades prisionais e maiores relatos de abandono por seus parceiros.

É necessário que se preserve a garantia da privacidade das ligações, bem como elas não são substitutas das visitas presenciais, mas complementares, em caso de dificuldade dos familiares de deslocamento até o presídio, por exemplo.

A sua base legal está no art. 52, § 7º, , mas violaria o princípio da proporcionalidade abrir tal possibilidade ao RDD, onde o rigor é maior, e negá-la a todos os demais que não se encontram sob regime disciplinar diferenciado.

Quanto ao problema da revista vexatória, tomamos pelo conceito do desnudamento do visitante, no qual a pessoa fica nua em frente de desconhecidos e passa por situação humilhante. A visita vexatória nunca teve base legal, mas se impôs como prática. Medida que pode ser facilmente substituído com equipamentos de scanner. É uma prática que tem tudo a ver como uma construção de sub-humanidade das pessoas que no momento lidam com a situação de restrição da liberdade de algum ente querido. Não obstante, reforçando a seletividade do nosso processo penal, até memso para os visitantes, não é esse o tratamento que se observa para os visitantes de criminosos de corrupção e colarinho branco.

Há uma discussão atual no STF e no STJ sobre a licitude da prova encontrada durante procedimento de revista vexatória, a discussão é relevante, mas não substitui o debate direto da constitucionalidade da revista vexatória.

O problema das revistas vexatórias/íntimas nos visitantes (Res. 5/2014-CNPCP)

“É ilícita a prova obtida por meio de revista íntima realizada com base unicamente em denúncia anônima” (STJ, REsp 1.695.349-RS, Sexta Turma, julgado em 08/10/2019, DJe 14/10/2019).

STF, ARE 959.620 (tema 998):

TESE DO RELATOR (Min. Fachin): “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos”

TESE DIVERGENTE (Min. Moraes): "A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos na hipótese de exames invasivos. O excesso ou abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita"

Sobre o direito à “sacola/jumbo/cobal”, encontra-se o fundamento no art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

É importante salientar a discussão, que ainda é uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro e mesmo nas preocupações dos juristas, de uma formalidade no confisco de bens pela Administração Prisional. Bens que não são permitidos a entrada na unidade prisional, ou que são enviados em excesso e devem ser impedidos de entrar, independente do valor, não são devolvido aos familiares e são apossados, sem qualquer formalidade, pela Administração, fazendo deles o uso que bem entender. É urgente uma definição legal de como deve se dar a destinação desses bens.

Outra questão polêmica é o visitante que responde a processo poder visitar outro preso, há precedentes no STJ quanto a sua possibilidade:

“É certo que o direito do preso à visitação não é absoluto, podendo ser negado em virtude de peculiaridades do caso concreto. Não é menos certo, por outro lado, que o direito de visita tem objetivo de ressocialização do condenado, não podendo ser negado sob o fundamento de a visitante estar também cumprindo pena em regime aberto já que os efeitos da sentença penal condenatória não podem restringir o gozo de outros direitos individuais” (STJ, AgRG no AREsp 1.227.471/DF, Rel. Min. Maria Thereza Rocha Assis Moura, j. 15.03.2018). Há diversos outros precedentes no mesmo sentido (STJ, AgRg no REsp 1.487.212/DF, Rel. Min. Reynaldo Fonseca, j. 15.03.2015; AgRg no REsp 1.475.961/DF; AgRg no REsp 1.556.908/DF).

Portanto, o fato do visitante cumprir pena em regime aberto ou responder a processo não constitui fundamento idôneo para negar o direito de visita.

Importante ressaltar um tema assaz discutido no artigo sobre as normas dos direitos dos presos, que é a vedação do cancelamento eterno do registro de visitante, com precedente também no STJ:

“O ordenamento jurídico garante a toda pessoa privada da liberdade o direito a um tratamento humano e à assistência familiar e não prevê nenhuma hipótese de perda definitiva do direito de visita. Assim, a negativa da revisão do cancelamento do registro de visitante está em descompasso com a proibição constitucional de penalidades de caráter perpétuo. Na hipótese é ilegal a sanção administrativa que impede definitivamente o preso de estabelecer contato com seu genitor por suprimir o direito previsto no art. 41, X, da LEP, porquanto tem-se por caracterizado o excesso de prazo da medida, que deve subsistir por prazo razoável à implementação de sua finalidade. Até mesmo nos casos de homologação de faltas graves (fuga, subversão da disciplina etc.) ou de condenações definitivas existe, nos regimentos penitenciários ou no art. 94 do CP, a possibilidade de reabilitação. Toda pena deve atender ao caráter de temporariedade.” (STJ, RMS 48.818-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/11/2019).

Para se buscar os direitos dos visitantes o STF entendeu que o instrumento ideal é o Mandado de Segurança, em detrimento do Habeas Corpus a (STF, HC 138.286, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05/12/2017). No entanto, Em importante decisão, porém, reconheceu o STF o cabimento de Habeas Corpus para garantir o direito de visita dos filhos e enteados de preso, não sendo fundamento válido para sua denegação a alegação de falta de estrutura e condições do local (STF, HC 107.701/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13/09/2011).

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